domingo, 22 de agosto de 2010

Eli Vieira - de um início tão simples (parte 1)


Evolucionismo

Eli Vieira é biólogo formado pela UnB, mestrando em genética e biologia molecular pela UFRGS, presidente da Liga Humanista Secular do Brasil (LiHS), criador do Evolucionismo.org, editor do Bule Voador e autor de alguns blogs pessoais. E ele tem apenas 23 anos.

Eli, como surgiu o seu interesse pela biologia e, especialmente, por Evolução?

Um primo mais velho me contou há alguns meses que, certa vez, quando eu era bebê, ele foi visitar meus pais com a família e guardou na memória algo engraçado sobre mim.

Eu estava, segundo ele, engatinhando pelo chão da cozinha, quando de repente parei e comecei a observar uma formiga que passava. Ele se distraía, mas sempre que olhava pra mim lá estava eu com minhas fraldas, ainda acompanhando a jornada da formiga atentamente, só observando-a por minutos a fio.

Brincar com formigas, plantas, cachorros e gatos foi uma constante na minha infância. Era uma cidade bem pequena, Lagamar (MG), e ainda é. A casa tinha um quintal amplo, um pessegueiro ao lado de um muro onde eu e minhas irmãs sentávamos para comer pêssego com sal, sibipirunas enormes em que a gente subia, goiabeiras, limoeiros, pés de mexerica, hortaliças, etc. Havia um córrego bem próximo de casa, meio poluído com esgoto doméstico, em que minhas irmãs e eu fazíamos jornadas com os amiguinhos da vizinhança para as partes despoluídas e brincávamos de pescar piabas com peneiras grandes. Botávamos as piabas num aquário, mas elas sempre morriam por falta de oxigênio. Eu andava com meus amigos pelas ruas da cidade, tinha muito verde na escola e na praça, e no fim do ano caçávamos cigarras.

Também frequentávamos a fazenda e ríamos dos nossos primos de Brasília que confundiam cana com bambu e jabuticaba com amora. Na fazenda eu vi siriemas, araras, anus brancos e pretos, ouvi o canto de um pássaro misterioso que lembra a campainha de um telefone, vi micos e quatis, comi gabiroba, pequi e angá, tomei leite recém-tirado da vaca, e inclusive testemunhei o ritual do preparo da famosa pamonha, e todo o procedimento de abate e preparo de animais para consumo da carne e de outros derivados como o sabão de banha, que também tem todo um ritual para ser preparado – pequenas amostras de um jeito antigo de viver que está sumindo.

Meu pai, pecuarista e funcionário do Banco do Brasil, descendente de uma dinastia de fazendeiros que plantavam até o algodão de suas próprias roupas, sempre tentou me passar um pouco do conhecimento popular sobre a fauna e a flora do Cerrado, e incentivou minha escolha de carreira. Minha mãe, cantora de talento, religiosa e politicamente engajada, sobrinha e filha de uma série de velhinhos (descendentes de índios e escravos) que tinham sempre uma erva para todo mal que nos afligia, é uma exímia cozinheira mineira – o que também demanda conhecimentos populares de biologia – e também sempre apoiou minhas decisões.

Por isso tudo, tenho uma certa experiência empírica com a mãe natureza como ela se manifesta na savana central do Brasil. É esta a base afetiva da minha escolha pela biologia. Considero esta base afetiva extremamente importante – hoje mexo com moléculas e programas de computador, mas tenho sempre em mente o espanto daquele bebê que eu fui, observando o mistério daquele serzinho preto fazendo uma odisseia pelo azulejo da cozinha.

Houve também a presença dos livros e da TV, que me deram a base racional para fazer esta escolha de carreira. Eu gostava das fábulas de Esopo, mas também adorava folhear as enciclopédias (saudosas nestes tempos de internet). Ir à biblioteca à tarde era um programa de diversão. Quando criança eu lia bastante os quadrinhos da Turma da Mônica, meus vizinhos adoram contar uma anedota sobre eu ter sumido até me encontrarem atrás de uma porta lendo os quadrinhos. Lembro-me de ter lido também algumas revistas de divulgação como a Ciência Hoje e de ter me maravilhado com o livro didático de biologia de Amabis e Martho.

Eu gostava de vários programas da TV Cultura, como o “Olho Vivo” e o “Gato Zap”, que mostravam documentários curtos sobre a natureza. Quando entrei na internet pela primeira vez (acho que foi no ano 2000), o primeiro site que visitei foi o da TV Cultura. Também assistia aos programas infantis famosos dos canais maiores (embora nunca tenha achado graça no falatório interminável da Xuxa, da Angélica e da Mara Maravilha) – mas o conteúdo que eles dão para as crianças é como doce: gostoso, porém pouco nutritivo. Foi o sinal fraco, intermitente e frequentemente interrompido da TV Cultura, além de breves menções à pesquisa científica nos telejornais dos outros canais, que tiveram peso nas tantas horas que passei vendo televisão.

O resultado foi que por volta dos 8 anos eu já afirmava com convicção que queria ser “cientista”. Poderia não ter muita ideia do que isso significava, mas era algo como alguém que desvendava mistérios e encontrava soluções, cujo trabalho era comentado depois na TV.

Meu interesse por evolução começou na quinta série do ensino fundamental, numa escola pública de Patos de Minas, para onde nos mudamos no ano anterior. Uma professora iluminada chamada Dona Cidinha nos ensinou tudo o que já poderíamos aprender de classificação lineana e introduziu a teoria da evolução. Não lembro como ela fez, mas lembro ter visto desenhos dos tentilhões de Darwin num livro e ter pensado no assunto repetidamente durante o recreio. Tudo o que ela precisava era de giz para desenhar no quadro negro e a nossa atenção no que ela tinha para dizer – depois que ela contou sobre a lombriga solitária que ela mesma expeliu, nunca mais me esqueci da Taenia solium.

Então, sem mais delongas, creio que dá para achar já na minha infância razões pelas quais a biologia seria a melhor das ciências para o garoto quietinho e tímido que dizia que queria ser cientista.


Ao longo da sua vida acadêmica, alguma vez você teve dúvida das suas escolhas profissionais?

Poucas. Antes do vestibular, mas bem antes, considerei a possibilidade de fazer física. Quando passei para biologia, ainda pensava em fazer física depois e ter os dois diplomas. Agora acho inviável me formar em física – vontade não falta, mas a vida é curta, e fazer outra graduação seria perda de tempo quando posso estudar os assuntos de física que me interessam sozinho. Há quem tenha talento suficiente para ser biólogo e físico ao mesmo tempo, mas este alguém não sou eu. Entretanto, essas separações definidas entre disciplinas são um tanto ilusórias. Biólogos usam técnicas, teorias e conceitos da física corriqueiramente.

Quanto à evolução, meus veteranos de biologia na UnB me conheciam como o calouro que queria fazer estágio em evolução no primeiro semestre. Consegui entrar para o Laboratório de Biologia Evolutiva, mas foi no terceiro semestre, e fiquei lá até o fim da graduação. Trabalhei com as ótimas professoras Rosana Tidon e Nilda Diniz. Também estagiei por um ano no Laboratório de Neurociências e Comportamento, com o professor Valdir Filgueiras Pessoa, que admiro muito.

Meu projeto hoje é em evolução molecular, que estou tentando juntar com genética do comportamento. Não deixa de ser um projeto interdisciplinar e uma sequela dos interesses que manifestei nos estágios durante a graduação.

Dúvidas e dificuldades eu tive e tenho muitas, mas acho que estou seguindo uma linha bem definida. Não tenho grandes crises existenciais sobre o que pretendo fazer na carreira, ao menos nas generalidades.


(continua no próximo post, aguardem)

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